ALTA FIDELIDADE
Robervaldson estava desempregado. Já havia feito de tudo na vida. Começou cedo, aos 12 anos ajudava o pai que era pedreiro. Aos 14 foi iniciado por um tio na arte da padaria. E assim por diante. Mas como a maior parte do povo brasileiro, ele perdeu o emprego e não conseguiu mais entrar no mercado de trabalho. Nem no informal.
Rober, como a sua mãe lhe chamava desde menino, comprava os classificados todos os domingos na esperança de achar uma oportunidade. Ele topava qualquer coisa: telemarketing, panfletagem, segurança.
Em uma tarde de domingo, após ver o clássico Paissandú e Internacional de Limeira pela televisão, Rober começou a folhear o jornal procurando uma oportunidade. Já desiludido pelos inúmeros anúncios inúteis, sua atenção foi chamada para o canto inferior direito da última página: Precisa-se de um segurança para trabalhar na zona norte 6h/dia. O trabalho é em uma residência e o candidato não precisa ter experiência. Interessados, comparecer amanhã na primeira hora da tarde na rua Moscowitz, 49. Nossa! Isso parecia muito interessante.
Na manhã seguinte Robervaldson acordou entusiasmado. Acendeu uma vela para o seu santo, botou sua melhor roupa, fez a barba, se perfumou e foi à luta.
- Amor, disse Rober para sua esposa, Lucélia. Tenho uma entrevista de emprego. Me deseja boa sorte.
- Pódexá, môre!, respondu sua esposa com um sorriso irônico e levantando a sobrancelha esquerda.
Depois de andar mais de cem quilômetros dentro da cidade, e pegar três ônibus para chegar à entrevista, Robervalson encontra uma bela casa na rua Moscowitz, 49.
Tocou o interfone e uma voz de mulher pediu para que ele entrasse. Subiu as escadas e a porta da grande casa se abriu.
- Boa tarde. Vim para a entrevis...., antes de acabar a frase, ele é surpreendido por uma linda loira de olhos azuis, seios fartos, lindas e compridas pernas à mostra e um sorriso infinito aberto no rosto.
- Boa tarde! Meu nome é Sheila. Fique à vontade. Pode sentar.
Robervaldson tremeu na base com tamanha loira à sua frente, mas encarou, da forma mais tranqüila possível, sentar ao lado daquela maravilhosa mulher que lhe tratava tão bem.
- Seu nome é...?
- Robervaldson Uóchinton da Silva, senhora.
- Nossa, que lindo nome! Parece nome de presidente da ....França! Posso te chamar de Rober? (* Obs1.: a loira confundiu Uóchinton com Washington e também confundiu o país. Deveria ser EUA).
- Pode sim senhora.
- Pois bem, Rober...hihihi. Você não está com calor?, perguntou a mulher se insinuando.
- Não dona, obrigado., respondeu ele suando feito um porco que entra no abatedouro.
- Rober...Uóchinton, né?
- Não dona, Robervaldson.
- Háaa, claro.
- Rober...uóchinton, a vaga que está aberta é para segurança. Meu segurança. Como a violência está muito, muito...(* Obs2.: nota-se aqui que o vocabulário da loira era estupidamente restrito) muito grande e eu sou uma mulher rica, bonita e...rica, resolvi contratar um segurança para me proteger. E parece que você faz o tipo de segurança que eu estou procurando.
Robervaldson, ainda que humilde, simplório, inocente e feio, notou que a sua futura empregada estava dando em cima dele. Mas, contrariando o que o seu instinto afirmava, ele tentou acreditar que ela estava apenas tentando ser simpática.
- Roberuóchinton...
- Robervaldson, dona.
- Ok...você é casado?
- Sou sim senhora!, respondeu ele se arrependendo da resposta quando acabou de dizer a frase.
- É casado então.
- Sim. É...ãhhh, sou sim.
- Então você é casado, mesmo?
- Sim....sou casado.
- É que estou atrás de um segurança...já lhe disse que você tem olhos muito bonitos?, interrompeu o assunto a mulher.
Rober já não entendia nada. “Meus olhos bonitos?”, ele pensou. Aqueles olhos opacos, cansados, com várias veias vermelhas dando a impressão que acabara de sair de uma piscina extremamente concentrada de cloro. Ele estava tremendamente sem jeito. Escondendo o rosto pela timidez, ele responde:
- Não senhora...não.
- Lindos olhos. Pois bem. Preciso de um segurança que passe muito tempo comigo. Que vá às compras comigo, que me leve ao clube, à academia, na casa das minhas amigas...assim, um guarda-costas, tipo naquele filme, com aquela mulher...e aquele ator...como se chamam? Celine Dion e o cara q eu fez Indiona Jones (Obs 3.: a loira sabia muuuuiito de cinema!).
- Sei sim.
- E que tenha mãos fortes, braços fortes, que seja forte.
Rober era muito magro. Mas ele sentiu que o elogio era para ele e a loira estava cada vez mais perto. Seu raciocínio foi interrompido:
- Você me acha gorda? Acha? Pode dizer. Vou dar uma voltinha, olha bem., a loira se levantou e começou a desfilar a um palmo do nariz de Robervaldison.
- Isshhhh, Nossa Senhora. O que eu tô fazendo aqui, resmungou ele.
- Eu acho minha bundo “meia” grande. O que você acha? E os meus seio...sabia que botei silicone? Quer tocar?
Rober estava suando frio. Estava muito nervoso. Não conseguia pronunciar nenhuma palavra. Mulher boa daquelas só havia visto na oficina do Zé Luis, seu amigo, e em pôster ainda.
A loira se insinuava ainda mais até que ela senta no colo dele, chega bem perto de seu ouvido e peregunta:
- Rober, você é tão sexy. O que você acha de irmos para um barzinho para conversarmos melhor. A faxineira está chegando e o aspirador de pó faz muito barulho. Vamos? Robervaldson concordou e eles foram no carro de Sheila para um bar ali perto.
Chegaram no bar e a loira continuou a lançar suas garras sobre o pobre desempregado. E ele estava caindo direitinho. Jamais uma mulher daquele porte havia lhe dado a atenção. Ainda mais aquele tipo de atenção.
- Rober, você é o meu tipo, sabia? Ele já estava completamente sem jeito:
- Não...não senhora.
- Nós podemos nos encontrar de noite...assim...gostoso. Em um lugarzinho, só nós. Ele engoliu seco aquele convite. Não sabia o que fazer, então pediu uma Coca-Cola.
A loira chegou bem perto dele e começou a lhe acariciar a cabeça, depois os braços. Lhe susurrava no ouvido. Rober já estava quase, mas quase, mas quase mesmo se entregando, quando Sheila olha para ele e diz:
- Está vendo aqiele espelho? Você acabou de participar do Teste de Fidelidade do joão Kléber. Dá um tchauzinho pra Lucélia, dá.
Robervaldson se sentindo o último da face da Terra, olhou para o espelho e falou:
- Oi amor.
- Pára tudo! Vocês viram que ele tocou na perna da moça! Como é que é, produção? Tiveram que cortar porque ele queria ir além? Como é? Ele queria mais, é?
O auditório vai à loucura. Lucélia estava no meio do palco olhando para o monitor e vendo o teste que ela arranjara para ver o quanto fiel era seu marido.
- Picachu...é agora! É agora. Entra Robervaldson!
Nesse momento, Rober entra no palco com uma cara de cachorro ladrão e com um buquê de rosas na mão. Se dirige à Jucélia e diz:
- Não é nada do que você está pensando. Foi uma brincadeira.
- Brincadeira? Eu vi você cantando aquela loira. Vi você olhando pros peito dela. Você pediu pra ela desfilar? Nunca me pediu isso!
- Mas Ju...meu amor!
- Não me chama de meu amor! Quero me separar. Não te quero mais. Isso é traição! Eu vi você passando a mão nela!
- Não foi nada disso!
Passaram cinco minutos discutindo em rede nacional. Jucélia começou a chorar e Robervaldison teve que lhe pedir perdão por algo que não fez. Ele não conseguiu o emprego e ainda teve que aturar a gozação “do pessoal da rua”. João Kléber bateu mais uma vez o recorde de audiência. E a loira, a Sheila, posou para uma revista masculina.