janeiro 21, 2002

DUELO DE TITÃS
Tudo parecia uma maravilha. Mar, sol, praia, areia, fossa entupida, falta de água, vizinho barulhento. Foi quando Josias sentiu uma imensa vontade de ir ao banheiro.
Mas o pequeno e constrangedor problema era que Josias, como a maioria de nós, não se sentia à vontade em banheiros estranhos, desconhecidos. Ainda mais quando se estava na casa da namorada, com a sogra, os cunhados, o sogro e, para completar, a porta do banheiro não trancava.
Ele agüentou o primeiro dia. Se distraiu, jogou futebol, ajudou o sogro a cortar a grama. O segundo dia também, embora sua mente era inundada pelo desejo de relaxar plenamente. Mas algo falava mais alto, muito mais alto. Ele não conseguiria. E se alguém entrasse no recinto naquela hora? Tinha que pensar em alguma solução.
A família nunca o deixava sozinho em casa. Foi quando surgiu a idéia de ir ao banheiro de madrugada. Josias botou o despertador para as 4h de manhã. Levantou pé por pé e invadiu, com toda a vontade de que era capaz, o banheiro a fim de dar um término na sua angústia.
Cinco minutos, e nada. O seu medo agora era o barulho. Os sons oriundos do seu íntimo seriam capazes de acordar a família de sua Frau? Josias fracassou. Não foi digno da sua própria vontade de se ver livre do peso colérico.
Acordou no quarto dia injuriado. Ele estava irado. A raiva contida, e as outras coisas contidas também, o deixaram tremendamente desconfortável perante a família de sua amada. Naquele dia, Josias não almoçou, não foi à praia e não jantou.
No quinto dia ele não agüentou mais. Precisava ir ao banheiro e era agora. Juntou toda a coragem, meditou, e como um gladiador, invadiu a arena sanitária e se pôs a postos para o duelo.
E que duelo. O produto havia passado quatro dias a mais dentro de seu intestino que não parava de absorver água. Por isso, nem reza braba ajudava. Enquanto Josias se apoiava na pia com o braço esquerdo, o direito segurava o suporte da toalha de rosto e os pés escoravam a porta para que nenhum intruso se entrometesse na disputa.Como uma marmota parindo um filhote de elefante, Josias gritou, e gritou desesperadamente com direito até a chamar sua mãe.
Ironicamente, após todos os esforços do nosso herói em não ter seu ato conscientizado pela família da moça, Josias foi levado ao posto médico pelo seu próprio sogro para tratar sua hemorróida, troféu de um guerreiro solitário.
por Lucas A.

janeiro 04, 2002

continuação... HIPOTECA CEREBRAL | Parte IV
Depois de acabar de comer, fomos pro meio da aldeia ver umas danças que eles queriam apresentar para nós, visitantes. Já era noite. O Xisto se despediu e disse que no outro dia ele vinha falar com a gente. Agradecemos e ele sumiu na floresta escura.
Ficamos mais umas duas horas em volta da fogueira, vendo as danças dos índios. Pessoal super bacana. Começou a dar um puta sono e fomos nos recolher.
Entramos na oca. Muito lôco! Enorme e cheia de redes de dormir. Me disseram para escolher uma e peguei a que me pareceu a mais simples. O gordo, pra variar, quis dar de gostoso e, sem querer, se deitou na rede do chefe. O cara só faltava engolir o Juliano.
Peguei no sono muito rápido. Acordei no meio da noite com a penumbra da fogueira e o gordo se agitando na rede ao lado.
- Juliano... Juliano...acorda, porra!
- Ãhh? Bah meu, que pesadelo filho da puta.
- Tu comeu demais.
- Não foi isso. Quero te falar uma coisa que não falei pra ninguém...
- Aaaa tá, só falta me dizer que tu é viado. Se for isso, eu já sabia.
- Vai tomar no teu cú, palhaço! Te lembra daquela vez, no Irã, dentro do caminhão...?
- Lembro, o que tem?
- Lembra a porradeira que fechou com uns caras e o soldado...aquela hora que a gente fugiu?
- Lembro, o que que é?
- Pois é, o cara parecido com o padre Marcelo...matou um cara! O soldado.
- Tá, e daí? Se ele não tivesse feito isso, agente tava lá ainda...enterrado na areia.
- Acontece que o cara pegou uma cruz de prata, começou com um canto gregoriano, abraçou o soldado que dois segundos depois caiu morto.
- Cala boca, gordo! Não fala merda!
- É sério, meu. O pior é que eu acho que ele é o padre Marcelo mesmo.
- Por que?
- Porque depois de matar o cara, ele começou a cantar: ”Erguei as mãos e dai glória a Deus...”.
- Vai à merda, gordo! Vai dormir.
Acordei cedo com o barulho dos curumins sacaneando o Juliano. Eu tava com fome, tinha que comer alguma coisa. Olhei nas panelas de barro e só tinha um resto de mingauzão de ontem, e aquilo não estava muito apetitoso.
- Auí malaka ouiname!
- Ok chefe!
- O quê? Tu tá entendendo o que ele diz?
- Claro, gordo!
- Mas só estamos há uma noite aqui.
- Te rala...tu é um puta burro.
De vez em quando eu tinha dó do gordo, mas ele era metido mesmo.
- A gente vai caçar com ele.
- Como assim, “a gente”?
- Isso mesmo, gordo! Levanta e vamo lá. Tu desbancou a ceia ontem, agora tem que mostrar gratidão e trazer um “elefante” pra compensar o teu estrago.
As índias nos pintaram com urucum. O gordo não tirava o guanaco das costas. Os índios nos deram uma rápida noção de como utilizar um arco e uma flecha e já entramos no mato.
- Auí mauê kala ainta..
- Juliano, presta a atenção! Tá vendo aquela árvore alí? Tem uns macacos lá em cima. A gente tem que flechá os bicho! Juliano? Gordo?...
Deu um desarranjo no gordo por causa das toneladas de carne de macaco que ele havia ingerido na noite anterior. Vi ele abaixado, atrás de uma árvore, se esvaindo em bosta.
Olho pro lado e ví um índio apontando a flecha para aquele animal peludo detrás da árvore.
- Nãããoooo! É o gordo vestido de guanaco! Não atira!
Tarde demais. O índio pensou que fosse uma anta e flechou o gordo. Bem na bunda! O Juliano deu um bérro que os macacos dispersaram.
- Porra Juliano, tu tá bem?!
- Ahhh, minha bunda? Índio filho da puta!
- Fica frio, gordo...o cara fez sem querer!
Nessas alturas o chefe tava querendo comer o gordo de tanta raiva. Íamos ficar sem comida de noite por causa do bérro dele. A coisa tava ficando preta. Sabia que mais cedo ou mais tarde o chefe ía nos expulsar dali por causa do Juliano.
O Xisto apareceu lá na aldeia de tarde com caixas e mais caixas de Nissim Miojo.
- Ô Xisto, qual é? Como tu conseguiu esses miojos?
- Ah, meu amigo. São os mistérios da floresta.
- Legal! Será que tu não descola um Nescau?
- Vou tentar.
Descobrimos que o Xisto vendia ervas medicinais num garimpo ali perto e trocava por produtos dos mais variados tipos.
- Xisto, quero ir contigo da próxima vez. Vou tentar vender meu pála de Guanaco.
- Grande Juliano! É isso aí!
O Xisto tinha a manha da propaganda. Parece que foi publicitário uma época.
No outro dia fomos no garimpo. Troço horrível. Uma puta clareira na mata, um monte de caminhões e uma baita destruição. O Xisto reuniu o pessoal pra fazer o comércio. O gordo trouxe o pála pra poder vender. A sorte é que o pessoal era muito religioso e logo já se interessaram pelo Guanaco. Lhes parecia uma vestimenta religiosa típica do nordeste. Resumindo, o gordo trocou o pála de Guanaco por um Jipe.
Voltamos para a aldeia. Fiz o gordo comprar umas “cucas” pro chefe pra limpar a barra. O chefe adorou, ele disse:
- Yundo mick avunt lant.
- Eu também chefe, principalmente com café.
- Ô Lucas, o que tu tá falando com ele?
- Ele me disse que adora “cuca”...
Passamos mais um dia ali com eles e nos despedimos. Tínhamos muito trabalho pela frente.

CONTINUA...
por Lucas A.