Passei a noite pensando no que tinha visto. Aquela cena no quarto me chocou bastante. Não sei por que. Já vi gente morta de perto, mas ali era diferente. Não sei se a mulher me parecia familiar, ou era pelo tipo de morte, sei que estava chocado.
Fui para o jornal. Consegui chegar mais cedo dessa vez.
- Renato, recado pra ti.
- De quem?
- Tá anotado na tua mesa.
Era um bilhete do Ricardo dizendo pra eu ligar para ele.
- Fala Ricardo.
- E aí Renato. É o seguinte: novidades! Me encontra no Café da Duque às 11h, pode ser?
- Claro! Sobre a modelo?
- Isso. Depois nos falamos. Ah, e fica calado!
- Pode deixar. Um abraço!
Hummm, o Ricardo estava estranho. Deveriam ter descoberto algum suspeito ou até solucionado a porcaria.
11h. Nada do Ricardo. Fiquei meia hora esperando ele, tomando um café e lendo a Folha. Do nada ele aparece, com pressa.
- Renato, vâmo pro carro.
Chegamos ao estacionamento.
- Olha só, tô te devendo uma.
- Que isso?!
- É mesmo! Tu me quebrou um baita galho aquela vez. Agora é a minha oportunidade de te retribuir. É sobre o homicídio de ontem.
- O que que tem?!
- O negócio tá esquentando. A guria veio de São Paulo.
- Pois é. Ela trabalhava lá, né?
- Sim. Mas ela veio escondida de lá.
- Como assim?
- Ela fugiu de lá. Só a mãe e uma amiga sabiam que ela estava aqui.
- Hummm, estranho. E mais alguma pista? Foi encontrado mais alguma coisa no apartamento? Digitais?
- Sem digitais. Isso que é estranho.
- Significa que foi algo planejado?
- Exatamente!
O caso me chamava cada vez mais a atenção. Comecei a desconfiar de que aquilo era apenas uma pontinha do que estava por vir.
Descobri a agência dela em São Paulo e fui na sede de Porto Alegre me fingindo de cliente.
Uma gordinha simpática me recepcionou. Era uma casa antiga, reformada, num bairro nobre. Na sala de espera algumas meninas, de uns 16 anos no máximo, com suas pastinhas em baixo do braço.
Pedi a modelo pelo nome. Falei que já conhecia o trabalho dela e que queria ela na minha campanha.
- Ela está em São Paulo.
Disse a gordinha.
- São Paulo, é? E como entro em contato com ela?
- Nós fazemos isso pro senhor.
Muito estranho. A agência pensava que ela estava em São Paulo ainda.
- Nós entramos em contato com o senhor.
- Ok. Muito obrigado.
Quando estou passando pela sala de espera, alguém me chama:
- Renato!
Olhei para o lado e vi aquela morena espetacular com um sorriso para mim.
- Márcia?
- Oiii! Como tu estás?
A Márcia tinha sido minha namorada há um ano e meio, mais ou menos. Ela estava linda!
- O que tu tá fazendo aqui?
- Me chamaram pra um trabalho. To defendendo a minha. E tu? O que fazes aqui?
- Eu...tô trabalhando numa agência de publicidade.
- Deixaste o jornal?
Engoli seco.
- Pois é...não dava mais.
- Sei como é.
Vou ter que voltar aqui mais tarde. Tu estás muito ocupado? Queres tomar um café comigo?
- Não. Quer dizer, não estou ocupado. Vamos sim!
Saímos e fomos para uma cafeteria ali perto. Falamos da vida. Dos nossos 18 meses separados e o que havia acontecido em nossas vidas naquele período.
Relembramos velhos tempos. Ela estava solteira. Teve um namorado depois de mim, mas não deu certo. Assim como os meus cinco últimos relacionamentos.
- Mas me conta, e essa vida glamurosa de modelo?
- Quem me déra! É muito corrido. Teste pra lá, teste pra cá. Sem falar nas horas esperando numa salinha apertada e não conseguir nada.
- Haaa, mas tem seu lado bom.
- Tem, é claro. Mas é uma vidinha bem estressante. Fico com dó dessas guriazinhas de quatorze, quinze anos que entram nessa sem saber nada da vida. Eu já sou macaca velha, já sei me cuidar. Daí vão essas menininhas pra São Paulo, Rio, ficam longe das mães, e extremamente vulneráveis.
- Vulneráveis?
- Tu não sabe a podreira que rola nesse meio. Conheço gurias que subiram e viraram garota de luxo.
- Sério? Mas como acontece?
- Dinheiro, meu querido. Trezentos, quatrocentos, e até mais por programa. Tu volta de lá rica.
- E as agências? Não fazem nada?
- Elas estão no jogo. Elas ganham muito com isso.
CONTINUA...
por Lucas A.