A VIAGEM
Cheguei correndo à rodoviária. Sempre deixo tudo pra última hora. Por que só me lembrei do chinelo quando eu já estava dentro do taxi? Meu ônibus saía as 23h. Já eram 23h.
Atravessei a rodoviária correndo e rengo para o lado direito, onde estava todo o peso concentrado da minha mochila.
- Box 23, box 23...Droga, onde é o box 23?!
Parei no estande de informações que estava no meu caminho:
- Moça, onde fica o box 23?
- Atenção, foi achada uma carteira...
- Moça, por favor! Meu ônibus está saindo e eu não acho o box!
- Criança perdida! Quem souber do paradeiro de uma menina ...
- Senhorita! Meu ônibus!!!
- Meu senhor, o senhor não está vendo que estou muito ocupada e pretendo atender todos os pedidos o mais eficiente possível? Olhe para o redor. É feriadão. Veja quantas pessoas estão andando de um lado para o outro aqui nessa rodoviária. Sabe o que significa isso? Sabe? Isso significa que são dezenas de crianças perdidas, que são centenas de carteiras encontradas e são milhares de boxes não encontrados. Agora, se o senhor me deixar fazer o meu trabalho tranqüilamente, já o ajudarei a saciar suas dúvidas.
Admirado com todo o discurso da moça das informações, me parei de boca aberta e susurrei:
- Mas meu ônibus...
Resolvi desistir do apoio da simpática moça das informações e fui me virar sozinho. Correndo, com a mochila incrivelmente pesada no ombro direito, o travesseiro no braço esquerdo que ao mesmo tempo continha a garrafinha de água mineral e o bilhete da passagem, achei o box 15. Pensei:
- Hummm, bom sinal. O 23 está perto!
Amarga ilusão! O box 23 ficava do outro lado da rampa. Rampa? É, a rampa. Além de tudo tive que subir uma rampa de pedras escorregadias.
- Box 20, 21, box 22...23!!! Esse é o meu ônibus?!?!
Um ônibus velho, sem ar-condicionado, com surfistas, senhoras de idade, obesos, crianças das mais variadas idades com seus salgadinhos e “refrís” a postos na porta esperando para subir os degraus estreitos e se sentar naqueles bancos de couro plastificado que no verão faz a gente grudar.
Me dirigi ao motorista:
- Meu senhor, esse aqui é o ônibus para Florianópolis que sai agora às 23h?
Sem me olhar nos olhos e manobrando um palito de dente entre os lábios ele me respondeu:
- Âhã.
Meio decepcionado com a simpatia do motorista, entrei no ônibus e procurei meu banco.
Como eu não gosto de botar a mala no bagageiro, levai a mochila junto comigo esperando levá-la no espaço sobre os bancos. Doce ilusão. Não coube. Na verdade o espaço era tão pequeno que apenas uma carteira vazia poderia ser levada lá. Decidi pôr minha bagagem nos meus pés.
Poltrona 21, janela. Me acomodei muito apertadamente com a mochila no chão. Estava abafado lá dentro. Fui abrir o vidro e me deparei com uma grande surpresa: tive a “sorte” de pegar justamente a janela onde fica a emenda dos vidros, ou seja, sem abertura alguma. Só as janelas do banco da frente e do de trás abriam. Isso significava que eu dependeria do frio e do calor de outras pessoas.
Já acomodado na poltrona e brigando com a maldita cortininha marrom que tinha o velcro gasto e não se continha mais, tive uma desagradável surpresa:
- Hei, esse aí é o meu lugar!
- Como, senhor?
- Esse aí é meu lugar!!
- Desculpa, senhor, mas esse número aqui é janela, e é meu.
- Eu que pedi janela, teu lugar é no corredor!!!
Era um homem gordo que vestia uma calça jeans velha, descosida, uma camisa branca quase que transparente. Mas o problema era o calor que fazia aquele senhor transpirar feito uma cachoeira.
Depois de muita insistência, pois ainda tinha dignidade, consegui convencer ele a se sentar na poltrona do corredor. Mal humorado e querendo, claro, me matar, ele se sentou com tudo no acento, fazendo com que eu me espremêsse mais ainda contra a janela e sobre a mochila.
Daí foram mais uns dez minutos para todos entrarem no ônibus, inclusive as senhoras de idade que dividiam as balas que compraram no bar da rodoviária, e as crianças que brigavam por um “góle de refrí”!
Graças a Deus, eram 23:15h e o ônibus saía da rodoviária. O bondoso senhor que estava do meu lado puxou de uma de suas sacolas um rádio à pilha e o grudou no ouvido. Eu já estava impaciente com tamanho aperto e ainda mais sabendo que teriam mais umas 9h de viagem.
Ainda com dignidade e uma dose de coragem, decidi demarcar o meu território baixando aquela divisória entre os bancos. “Doce ilusão 3”, o banco não tinha a tal peça. Quem sabe pela idade do veículo ou por algum ato depredativo, tive que aturar o braço suado do gordo junto ao meu. Fazer o quê? Liguei meu walkman, fechei os olhos e rezei para dormir o mais rápido possível.
Mas que nada! O motorista dirigia feito um camikaze fazendo com que o ônibus balançasse para todos os lados. Numa balançada dessas um embrulho de alguém que estava no espaço acima dos bancos, caiu sobre o gordo. Ele acordou irado e me olhando feio. Rapidamente fingi que estava dormindo antes que levasse uma sova.
Nesse momento o walkman começou a dar sinais de que, novamente, usei o par de pilhas velhas. Droga! Além de tudo sem música. Mas isso não durou muito tempo. Após alguns minutos ouvindo só o ronco do motor, passei a ouvir também o ronco do urso que dormia ao meu lado. E o pior: com a cabeça virada para mim.
Passaram-se uns 30 min. e eu acordei de um cochilo. Estava com fome. Pensei nas bolachas dentro da minha mochila. Mas os problemas agora eram dois: o primeiro era como abrir a mochila me mexendo minimamente e não apurrinhar o meu vizinho de acento? O segundo, e o mais difícil, era como abrir o pacote de bolacha sem barulho para não acordar o urso roncador? Pensei comigo:
- Calma Lucas. Toma um pouco de água e espera que daqui a pouco pararemos para comer.
Tomei um gole daquela água morna que pareceu me dar mais sede. Mas consegui dormir.
Acordei com o ônibus sendo manobrado em um posto, restaurante...sei lá. Algo de beira de estrada. Muitas luzes, muitos ônibus, muitas pessoas com as caras amassadas.
CONTINUA...
por BYROCAI