setembro 28, 2001

Nas Entranhas do Lar

Fazia horas que a minha mãe me pedia para pendurar aquele quadro na parede:
-Pô, guri!...já te pedi umas mil vezes pra tu pendurar essa merda aí!
-Bah, mãe, foi mal. Eu me esqueço.
-Ahã....pra sair poraí correndo china tu tem memória, né, seu cretino.
-Tá mãe. Não enche o saco!
Peguei um prego e um martelo e comecei a furar a parede.
Páaaa
Páaaa
-Hummmmmmmm!
-Ahhh, guri! Martelou o dedo?
-Que dedo, mãe...não viaja! Tu que tá me sacaneando.
Páaaa
-Hummmmmmm!
-Ô guri, mas tu não sabe nem pregar um preguinho?!?!
-Sai fora, mãe. Me deixa em paz! Que barulho é esse? É tu?
Páaaa
Páaaa
-Hummm, aiiiiiiii....aaaaaaaaahhhhh!
Nisso um filete de sangue começa a escorrer do buraco do prego.
-Manhêêêêê!!!!!!!!!!! Vem cáaaaaaaa!
- O que tu qué, guri?
- Olha isso aqui!
- Que é isso?? Tu te cortou?!?!
- Cala a boca mãe...tá escorrendo da parede!!!
- Não fala besteira!
- Sério! Tô me cagando!!!!!!
- Me dá isso aqui!
Páaaa
Páaaa
- Hummmmmmmmmm........
- Aaaaaaaaahhhhhh...o que é isso? Tá vindo aí de dentro!!!
- Me dá aqui o martelo!
Páaaaa
Páaaaa
Páaaaa
- Guri! Olha o que tu tá fazendo com o reboco!
- Cala a boca, mãe. Me traz a marreta!
- Tu tá loco?
- Porra, mãe! Tu não tá vendo que tem alguém aqui atrás????
- Ai, guri. Não me assusta!
- Porra! Busca a merda da marreta logo.
Nessas alturas a parede já estava toda rachada e encharcada de sangue.
Bhouuuuum
Bhouuuuum
Bhouuuuum
O apartamento todo tremia com as minhas marretadas. Minha mãe histérica, estava gritando comigo com medo da parede toda cair.
- Porra, mãe! Tu tá preocupada com a merda da parede? Não te ligou que tem alguém aí dentro?!?! Pára de chorar!!!!
Bhouuuuum
Bhouuuuum
Consegui abrir um buraco. Dei uma espiada e ví um vulto.
- Mãeeee! Busca a faca! Tem um cara aqui!
- Desculpa me señor! Yo no tenho...
- Que é isso?!?!?!?!
- Mãeeeeee , a faca! Tem um argentino aqui!!
- Señor....perdon....no machuca me....
- Pega guri...!!!
- Ok....quen és tu? Mãe, fala com o cara!
- O que vou falar? Vou chamar a polícia!
- Espera, cacete! O cara tá mais cagado que eu! Qual tu nombre?
- Desculpaaa sssssseñor!!!!
- Espere! Quen és tu?
- Yo soy Ramirez. Te vou contar...no machuca me!!!!!
- Calma, sai daí. Se tentar alguma coisa eu te detono na marretada!!! Mãe, pega a faca. Qualquer coisa, fura o paraguaio!
- Não faz isso, eu tô com medo!
- Porra, mãe! Cala a boca!!! De onde tu veio? Como tu veio parar aí dentro? Tu é ladrão? Vou te quebrá!!!
- Yo soy de Puerto Rico.....yo queria vir para América....
- Que América o cassete!!!! Isso aqui é Brasil, porra!
- Brasill?!?! Acá ser Brasil?!?!?!?!
- É, uruguaio...onde tu pensa que tá?
- Espere senõr...te contarei! Yo estava em puerto del Porto Rico com mi primo Raul. Iríamos nos esconder num navio de uma empreitera americana para poder entrar na América. Acá é Brasil?!?!
- Cacete mesmo! Esse chileno perdido aqui! Mas como tu tá dentro da minha parede?!?!?!
- É porto-riquenho, guri!
- Não me interessa!!! Como tu tá aí dentro?!?!
- Nós dormimos no navio que ía pra América...no sei o que aconteceu!
- Colombiano filho da puta!
- É de Porto Rico, guri burro!
- Há quanto tempo tu tá aí?
- Yo no sei mucho bien. Creo que há dos años!
- O quê??? Dois anos dentro da minha parede??? O que tu faz aí??? Tá sozinho???
- Yo y mio primo hacemos video-cassetes...
Depois de muita trova e quase esganar o cara, descobri que na verdade, ele queria entrar escondido nos EUA. Ele e o primo, viajaram clandestinos num navio de uma empreiteira americana que fechou suas filiais no Brasil. De alguma forma o barco, ao invés de ir para os EUA, veio pra cá. E eles estão aqui há dois anos e três meses pensando que isso aqui é a Porra da América!
Eles só saem de noite, por isso não falam com ninguém. Falaram até hoje só com um paraguaio que tem uma fabriqueta de aparelhos falsificados que em troca da mão de obra, lhes dá comida. O paraguaio, muito filho da puta, sacaneou eles dizendo que estavam nos EUA e a imigração já sabia deles. Eles desceram no porto e vieram no caminhão da empreiteira direto pra cá, e se esconderam dentro das fundações do prédio. Acabaram terminando a obra e os dois morando aqui dentro.
Acabei ficando amigo do cara. Era gente boa. Humilde. Fizemos os curativos na mão dele, que eu tinha furado na hora de pregar o prego. Ele tá melhor, agora.
Encontramos o primo dele, o Raul. È meio desconfiado. Saímos com eles durante o dia pra pegar um sol. Faz tempo que eles não andavam na rua durante o dia. Conseguimos uma pensãozinha pros dois e largamos umas fichas de emprego, inventadas, em algumas agências. Os caras sabem muito de eletrônica. Também, fazendo vídeo cassetes manualmente.

setembro 27, 2001

A Sangrenta História das Chinchilas de Moçambique

A professora levou a turma para um passeio na fazendo do pai de um aluno da escola. Foi toda a criançada do jardim até a 3a série.
- Crianças, todas juntas em fila!
- Ahh, professora! Eu quero ver a ovelinha!
Calma, Juliana. Já vamos lá. Primeiro vamos ver as chinchilas.
Ebáá!!! Chinchilas!!!
Só o que as crianças não sabiam e a professora também, era que a criação de chinchilas de fazenda seria pra tirar a pele dos bichos que seriam vendidas para fazer casaco de madame.
- Mas meu senhor, como vou mostrar esses bichos mortos para as crianças?!?!
- Não sei, não, senhora! Esse aqui é o meu trabalho.
- Mas agora eu já falei das chinchilas e as crianças estão muito curiosas para ver os bichinhos!!!
- O problema não é meu, senhora. Lá dentro é um matadouro.
A professora reuniu as outras coordenadoras para discutirem uma solução para o problema:
- É o seguinte, Vamos fazer uma propaganda das chinchilas. Dizer que elas são más! assim as crianças não vão se importar tanto ao verem elas mortas.
- É verdade! Mas o que diremos?
- Deixa eu pensar...
- ...
- ...
- Já sei! Vamos dizer que as chinchilas são animaizinhos muito ruins, perigosos e monstruosos!
- Mas como faremos isso? Olha aquela ali!
Nessa, a professora encara uma gaiola com um bicho dentro. A chinchila encara ela e ela olha para o bicho:
- ...
- ...Vejam que animal peçonhento. Esse aqui é o seu lugar! Esses animais são a causa da fome no mundo. Comem os grãos, as sementes, até...até...hã...até as pessoas!!!
- Crianças, é o seguinte: muito cuidado ao entrar nesse recinto pois aqui estão os mais perigosos animais da natureza. As chinchilas carnívoras de Moçambique!
- É mesmo, fessora?! Mas ela é tão bonitinha!...
- Tira a mão daí! Quer que ela te arranque o braço?!
- Mas elas são tão pequeninhas!...
- Mas juntas são como piranhas, capazes de comer um cangurú em 7 segundos!
Óhhh
De repente, entra no galpão o ser Dirceu, o dono da fazenda.
- E aí criançada, gostaram dos bichanos?
- Não, tio. Eles são malvados.
- Malvados?!?! Esses bichos são muito mansos. Sou capaz de dormir tranqüilamente com uma chinchila dentro da cueca!
- Seu Dirceu!!!
- O que foi? Ahhh, me desculpe professora! Crianças, esses animais são os mais ferozes do reino animal. vou mostrar como se vence uma luta com esse monstro. Caso um dia, tomara a Deus que não, vocês cruzarem o caminho desses animais, peguem eles pelo percoço assim...depois apertem aqui...passem a faca...
Schlaft...sfrinsch...
O velho tava quebrando todo o bichinho. Mas para parecer mais real a sua história, ele começou a gritar e rolar no chão:
- Áhhh, ela está arrancando a minha mão!!! Áhhh, me ajudem!!!
Nisso a criançada começa a chorar e sair correndo para o ônibus.
- Entrem crianças! Vamos embora rápido! Entrem!
Todos saíram correndo da fazenda. Pela janela, a professora dá um sorrizinho para o seu Dirceu agradecendo. O velho, com um sorriso sinistro e um bicho todo ensangüentado na mão, sorri para ela. Nisso, um menininho de uns 7 anos puxa a professora pela saia e diz:
- Professora, quando eu crescer quero ser um matador de chinchilas!
Olhando para o horizonte e dando um longo suspiro, responde a professora:
- Isso mesmo, meu filho! Isso mesmo!

setembro 19, 2001

NINVÓMANÍACA!

- Ô Lucas, vamos jogar futebol lá na casa da minha vó?
- Tua vó?!?!?! Não!!!
- Por que, cara?
- Sei lá...não tô afim!
- Pô...baita amigo! Te quebro altos galhos...vamo lá!
- Bah, cara. Não leva a mal, mas não vou não.
- Que palhaço. Que viado que tu é!
- Viado o cacete! Pega a merda da bola e vamo embora.
...

- E aí, vó?
- Oiii, Guilherme. Trouxe o teu amiguinho, é?
- Oi Dona Eva.
- Oi menino bonito!
Putamerda!
- Vó, eu vou lá na garagem encher a bola. Espera aí, Lucas.
- Peraí que eu vou contig.....
- Lucas...como vai?
- Vou bem, Dona Eva. E a senhora?
- Estou muiiito bem. Gostou da minha calça nova? Não fica muito justa atrás?
- Acho que não, Dona Eva.
- Põe a mão. Tenta puxar pra ver se tá muito apertada.
- Obrigado, Dona Eva.
- Volta aqui, onde tu vai?
- Vou na garagem!
- E me deixar aqui sozinha? Sabe o perigo que eu, uma senhora de idade, corro se ficar aqui sozinha? E se me der um ataque cardíaco? Põe a mão aqui, gurizão!
- Dona Eva, a senhora falou que aquela seria a última vez!
- Vem cá, Lucas. Vem com a vó!!!
- Lucas, vamo jogá!
- Tô indo! ... Dona Eva, me larga!
- Vem com a vovó, meninão!
A velha era ninfomaníaca. Já tinha se casado umas três vezes. Eu sofria muito quando ía pra lá. Ela cismou comigo. Dizia que eu estava apaixonado por ela, que éramos namorados, para eu ir lá escondido...
Passou uma semana e o Guilherme veio lá em casa:
- E daí...vamo batê uma bola?
- Nem morto!
- Por que?
- Tô com........hã........minha perna.........hã.......machuquei o braço.
- Deixa de ser otário. O Daniel vai junto.
- O quê?!?! O Daniel?!?!?!
Bingo! O Daniel era um moreninho que nunca teve namorada. Barbada! Eu ía apresentar o Daniel pra vó do Guilherme e ela desencanaria de mim.
- Eae vó!
- Oi Dona Eva!
- Oi Lucas, como vai?
- Esse aqui é o Daniel!
- Oi Daniel...mas que menino forte.
- É isso aí, Daniel. Vou com o Guilherme encher a bola e já voltamos!
- Peraí cara!
- Oi Daniel...
Voltamos com a bola cheia:
- Vamo embora jogar, Daniel?
- Bah gurizada. Tô com dor no dedão. Vou ficar aqui conversando com a tua vó, Guilherme.
Beleza! O Daniel começou a namorar com a velha. Claro que o guilherme não podia saber. Mas assim ela me largou de mão e ele arrumou uma namorada “experiente”.
HIPOTECA CEREBRAL
Era 1992. Eu e o gordo Juliano fazíamos parte de uma equipe que tinha como objetivo desenvolver um projeto para encanar as águas do lago Titicaca e trazer, sobre a floresta Amazônica, ao Brasil para irrigar o sertão nordestino. Estávamos em Bagdá, na cede de uma petrolífera assistindo uma palestra sobre “o processo cinérgico de conexão das roldanas 5cc sem para-apoio reconstrutivo”. De fato era uma palestra muito interessante.
As nove e meia da manhã a palestra é interrompida pela sirene de ataque aéreo. Todos começaram a correr e a gritar conosco a fim de descermos para o bunker:
- Ramahlahh , ssschirin!!!!
- O que está acontecendo Lucas?
- Porra, não sei. Que merda!
- Para onde eles estão nos levando?
- Cacete!!! Não sei, ô imbecil!
- Ô meu, eu tô com medo!!!
- Gordo de merda, cagalhão!!!
Ouvimos o barulho das turbinas de um F-16 e tiros das baterias anti-aéreas. Logo mais, uma grande explosão e silêncio absoluto. Nos perdemos de todo mundo. O gordo se escondeu no banheiro e eu tive que ficar uns quinze minutos tentando convencê-lo de que aquilo era “normal” e já tinha acabado.
Não havia mais ninguém no prédio. Os corredores estavam vazios. Ouvimos um ruído, como de um rádio. Seguimos o som e chegamos até uma guarita vazia, onde tinha um radinho a pilha que estava transmitindo um discurso de Sadam Russein.
Chegamos na rua. Deserta. O gordo tava apavorado:
- Lucas, eu tô com medo!
- Cala a boca e vamos tentar achar alguém!!!
Andamos uns vinte minutos e não encontramos ninguém. Haviam uns carros pegando fogo e alguns prédios destruídos, mas ninguém nas ruas.
Tã tã tã nãnãpiiiii nã nã nã
- Que barulho é esse?
- Vem detrás daquele muro.
- E agora?
- Vamo lá vê! A gente têm que achar alguém pra poder sair daqui. Dá um pezinho, gordo.
Olho por cima do muro e vejo um soldado bigodudo jogando “Pense Bem”.
- O que que tu tá vendo, Lucas.
- É um cara jogando Pense Be....
- Rahmalahhh!!!
- Calma, calma, não atira!
- Ramalah, trinutuh ranlim!!!
- Calma, ease!!!! Please!!! We are brasilianos!!!!
- Ramalahhhh ranlim!!!!!! Americanos!!!!
- No, no! We are brasilianos! Brasil!
- Brazil?
- É...feijoada, caipirinha....Pelé.
- Pelé!!! Mulata, Maradona!
- Que Maradona o cacete, iraquiano folhadaputa!!
- Lucas, não xinga o cara! Ele tá armado!!!
- Maradona é o cacete!
- Rimnham....Ronaldin...
- Isso, Ronaldinho!
Vi que o gordo já estava se entendendo com o cara. O iraquiano já tinha baixado o rifle e esboçava um sorriso. Só que o gordo se emocionou demais:
- Ronaldinho, Felipão, Zico...
- Rahmalahhh!!!
- O que tu disse pra ele, gordo desgraçado?
- Não sei, cara! Calma senhor!! Ronaldinho, Felipão, Zico...
- Rahmalahhh!!! Rahmalahhh!!!
Kusshhhhhhhhh
O Juliano levou uma coronhada de rifle no estômado que fez ele se ajoelhar. Quando me abaixei pra juntar o gordo, levei uma porrada na cabeça e desmaiei.
Acordei uma hora depois dentro de um caminhão. Minha cabeça doía muito. Estávamos presos. O gordo do meu lado rezando. Prisioneiros sentados como nós. Um guarda armado na porta do caminhão estava nos olhando.
- Gordo, o que tá acontecendo?...
- Lucas? Tu tá bem?
- Tô, cara! O que houve? Quem é essa gente toda?
- Eles nos prenderam...não sei por que. É tudo prisioneiro como a gente. Vai dizer que aquele ali não parece o padre Marcelo?
- É mesmo!
Nisso, começa uma discussão no fundo do caminhão. Dois prisioneiros conseguem derrubar o guarda e todos nós pulamos do veículo. Todo mundo começou a correr em diversas direções. Eu ainda estava um pouco grogue por causa do golpe na cabeça.
Ouvimos, ao longe, o som de um carro no deserto. Ele foi se aproximando. Vimos que não era carro do exército. Parecia esses carros antigos argentinos, cheio de tapetes em cima. Acenamos e o carro se aproximou e parou perto de nós. De repente, para a minha surpresa, desce do carro alguém com um rosto muito conhecido:
- Ramirez!!!!
- Lucas?
- Ramirez, o que tu tá fazendo aqui?
O Ramirez era o porto riquenho que eu descobri que morava dentro das paredes do meu apartamento dois anos atrás.
- Yo estoy envolvido com negocios de tapeçarias.
- Incrível, cara! Tu tá indo pra onde?
- Estou cruzando o deserto para chegar na Arábia.
- Arábia?!?! Nos dá uma carona? É lá onde está o resto do pessoal do grupo de pesquisa...
- Claro...adelante!
Contei a história pro Ramirez. Ele quase não acreditou. Nos contou que a OTAN havia bombardeado Bagdá no início da manhã e o Sadam estava muito puto. Estávamos agora no Irã.
Chegamos na Arábia. Passamos na fronteira sem problemas por que o capitão é conhecido do Ramirez. Na capital, nos encontramos com o resto da nossa equipe que não tinha notícias de nós desde o bombardeio.
Tivemos uma semana para nos recompor e esperar a crise no Oriente dar uma esfriada. Mas fria mesmo é o que estava por vir. A pesar de tudo, não podíamos deixar o projeto. Tinha a segunda parte. Viajamos da Arábia direto para o Perú. Fomos subindo a cordilheira, passando por Kotshabamba, Cusco, eté chegarmos ao lago Titicaca.
Era lindo. O lago mais alto do mundo. Aquela paz, aquela natureza exuberante, e aquele frio! Muuuuiiito frio! O gordo não parava de tremer. Comprou quilos e mais quilos de roupas típicas com lã de Guanaco.
Fizemos muitas análises do solo e da água e levantamos as possibilidades da tubulação agüentar umas cinco toneladas/segundo de água passando por cima da Amazônia, a uns 500m de altura e uma extensão de uns oito mil quilômetros.
Passamos cinco dias no Perú e começamos a descer a cordilheira no lombo de jumentos andinos a fim de fazer todo o trajeto até o sertão brasileiro a pé para uma total análise das condições para a execução do projeto.
Vinte dias se passaram e nós já estávamos entrando na floresta. O gordo começou a encher o saco:
- Pô cara,...me ajuda aqui. Comprei muita roupa e não tô conseguindo carregar tudo.
- Te rala, gordo troxa! Joga fora o excesso.
- Não mesmo, eu comprei. Paguei muito pra não passar frio.
- Gordo otário, mão-de-vaca!
Quanto mais entrávamos na floresta, mais perigoso e difícil era o acesso e mais quente ficava. Isso tudo era diretamente proporcional à encheção do Juliano:
- Pô Lucas,...me quebra um galho aí, vai...
- Vou te quebrar a cara, filho da puta!
- Bah, sacanagem. Tá me dando uma fome...
- Cala a boca!
- Por que tu fala ass...
- Cala a boca! Escuta!
Nããã nã nããããã
Lá lalalalá
- O que é isso?
- Vem de cima daquela árvore.
- Tô me cagando!
- Tu é um cagado, gordo bixa! Pega uns pedaço de pau... Faz silêncio.
Olhamos para cima, no alto da árvore, e avistamos um menino. Ele nos olha e desce até nós:
- Olá!
- Quem é tu?
- Sou Xisto.
- Xisto? Que nome estranho.
- Bah...eu me lembro de um nome assim. Daqueles livrinhos da “Coleção Vagalume” que a gente lia no colégio...
- Isso mesmo. Sou o Xisto!
- Como assim?
- Sou o personagem do livrinho. Já fui para o espaço, para o fundo do mar...agora estou na Floresta Amazônica.
- Uaauuuuu!
Definitivamente o gordo era fã do Xisto.
O Xisto estava ali na floresta há uns três anos. Ele conhecia cada folha daquela região. Ele era amigo de uma tribo que tinha reserva ali perto. Nos levou até lá para que pudéssemos comer e passar algumas noites.
- Silêncio......estão vendo aqueles arbustos?
- Sim, Xisto.
- Não são arbustos. São os Caniguára.
- Cani o quê?
- Caniguára. São os índios que te falei. São gente boa, muito hospedeiros. Tiveram pouquíssimos contatos com a civilização.
- Gordo, tira essa roupa!
- Não vou tirar, não!
- Os índio vão pensar que tu é louco, sei lá o quê? No meio da floresta, deve estar uns 35º e tu vestindo um Guanaco inteiro.
- Não vou me desfazer daquilo que me salvou a vida!
O Juliano tinha dessas. Era muito, como eu posso dizer, otário, imbecil, burro mesmo. Ele não queria se desvincilhar daquele pála porque por sua causa que o gordo não morreu de frio na cordilheira.
- Aumaiê aìee colunmo...
- Auiname rassum lamuno
O Xisto sabia falar como os índios. Eram uns índios baixinhos, barrigudos. Eles ficaram cheirando o gordo. Aposto que nunca viram um animal parecido com aquele Guanaco Obeso no meio da selva.
Fomos até a aldeia. Eles gostam muito do Xisto. Nos receberam muito bem. Um monte de indiazinhas gostozas, nuas, em volta de gente. O Juliano estava apavorado. Nunca viu uma mulher pelada tão de perto.
O Xisto nos levou pra conhecer o cacique. Gente fina o cara. Gostou de mim à primeira vista, ao contrário do gordo. Ficamos horas conversando e comendo. Tinha muitas frutas, carne e uns mingauzão que eu nunca vi igual. O gordo tava detonando. O cacique já tava olhando feio pra ele.
- Ô gordo, pega leve. O cacicão já quer a tua cabeça.
...
(em breve continuação)

SÍLVIO
Eu estava em casa e resolvi ligar para um amigo que há muito tempo eu não via:
- Alô, Eduardo?
- De onde fala? De onde fala?
- Eduardo? É o Lucas!
- De onde fala? De onde fala?
- Ô Eduardo, sou eu!
- De onde fala? De onde fala?
- Sílvio, quem é?
- De onde fala?
- Dudu! É o Lucas, cara!
- Sílvio, dá o telefone aqui!
- Eduardo, é o Lucas.
- E aí cara, tudo bem contigo?
- Tudo. E contigo? Quem é esse loco que atendeu o telefone?
- Bah, tu nem sabe! É o Sílvio!
- O Sílvio baixinho do colégio?
- Não cara, o Sílvio Santos.
- O Sílvio Santos?! O que ele tá fazendo aí?
- Depois do seqüestro ele ficou bem baratinado. Como ele é amigo do meu pai, o velho convidou ele pra passar um tempo aqui até baixar a poeira.
- Bah! Como ele está?
- O cara sempre foi meio locão. Acho que foi o sucesso que avacalhou com ele. Mas o cara é muito gente fina, só que ele tem umas manias, sabe?
- Como assim? Que manias?
- Assim como ele atendeu o telefone, ele pergunta sem parar de onde a pessoa tá falando, pergunta qual é a caravana. Outro dia ele parou na janela e começou a jogar aviãozinho de dinheiro. Rolou alto rebuliço lá embaixo.
- Tá, mas quem está apresentando o programa?
- É o Roque.
- O Roque?
- É, mas a audiência caiu muito. O Roque é pavil curto e fica xingando o auditório. O Sílvio tá perdendo dinheiro com isso.
- E o Ivo Holanda, por que ele não apresenta? A galera gosta dele.
- O cara foi preso. Fez uma câmera escondida com a polícia civil. Os caras prenderam ele e não adiantou gritar para a produção porque eles estavam vendo a cobertura ao vivo do seqüestro do Sílvio pela Globo.
- Bah, que sacanagem!

O Sonho de Judith (Judith Dreams)

Judith era uma franguinha muito esperta. Ela fazia altas zonas no galinheiro.
Mas ela era uma galinha diferente, ela queria estudar em Harvard.
- Mãe...cócó...não sou apenas mais uma franga, sou uma franga inteligente.
- Judith...cócócó...você não é um ser humano. Aceite o seu destino. Um dia você vai crescer e ficar botando ovo sem parar. Vai ter hemorróida e morará em uma gaiolinha com a metade de sua altura para engordar bastante.
- Que engordar nada, mãe! Quero ser uma galinha sarada, graduada em Harvard e tal...
- Minha filha, um dia sua bisavó foi parar num espeto giratório, sua avó também. Um dia eu irei para lá e você também irá.
- Não quero saber, mãe..cócó! Sou uma franga diferente. Vou freqüentar a escola.
Judith se matriculou numa escolinha de primeiro grau. Ela estava decidida a se tornar mais que uma simples galinha, mas uma galinha instruída. Estava disposta a passar sobre qualquer preconceito que, inevitavelmente, seria vítma.
- Daniel...
- Presente!
- Ítalo..
- Aqui
- Judith..
- Cócó...
Hahahahahaha....
- Crianças, parem de rir da Judith.
- Não tem problema, professora. Isso é apenas um reflexo involuntário instigado pelo córtex espelhado na probabilidade de uma pseudofunção mental do estímulo psicossomático de uma mentalidade inferior.
- Nossa, Judith! Onde você aprendeu isso?
- Simples, professora. Nas minhas horas vagas, ao invés de eu fazer como essas crianças débiomentais humanas de sair correndo atrás de uma esfera ou ficar me iludindo com uma boneca de plástico, eu leio freud e um compêndio de psiquiatria.
Passaram-se os anos, e Judith acabou o segundo grau. Conseguiu uma bolsa integral para Harvard e passagens de avião.
- Judith, minha filha...cócó...sentiremos saudades!
- Fica fria, mãe. Prometo que te mando email todo o dia.
Judith embarcou no avião e abanou com a asa para sua mãe que se esvaía em lágrimas pela despedida de sua filha.
Chegando nos EUA, ela se dirige para o campus da universidade. Procurou um restaurante para fazer o desjejum.
- Hei man...cócó...a cup of corn, please.
- Hei, Gonzáles...What do this fuck chiken do here, man?!?!
- Desculpa-me, señor...biene cá, galinhazita!!!
Scraft...schurrrft...cócóóóó.....
Judith realizou seu sonho, entrou em Harvard. Mas seguiu a tradição de família, acabou num espeto giratório.